Texto por Juca Guimarães

Em todo o Brasil, a intolerância religiosa revela a face mais cruel e atrasada da nossa sociedade. Cada vez mais a escolha de uma religião, principalmente entre aquelas de matriz africana, se torna um ato de resistência contra o preconceito e a ignorância.

O que deveria ser uma opção individual baseada na fé e na experiência de vida se transforma, infelizmente, numa batalha diária por liberdade. A lei determina que o Brasil é um país laico, sem uma religião oficial que deve ser imposta a quem vive aqui, porém, na prática, a “doutrina” do preconceito dá as cartas impunemente.

No dia 7 de janeiro, é celebrado o Dia da Liberdade de Culto. A data inspira um importante momento de reflexão a necessidade de combater o preconceito e viver harmoniosamente cada um com a sua fé.
No videoclipe e na letra da canção Mandume, o rapper Emicida destaca o quanto as religiões de matriz africana lutam, há séculos, contra a intolerância e a perseguição.

Assista ao clipe aqui:

Em João Pessoa, capital da Paraíba, assim como em outros locais do país, a intolerância se manifesta em forma de violência e vandalismo. Lá a estátua de Iemanjá teve a cabeça arrancada e os dedos quebrados. A imagem está há 50 anos na praia do Cabo Branco próximo ao mercado de peixe e, mesmo entre os pescadores evangélicos, ela representa os votos por fartura na jornada de trabalho e proteção para quem entra no mar pelo sustento ou por lazer.

Em diversas escolas, públicas e particulares, os alunos são proibidos de usar símbolos dos orixás ou roupa branca às sextas-feiras. Garotas já foram apedrejadas e sofreram bullying por ser do candomblé ou da umbanda, sem que diretores ou professores tomassem alguma providência. Também é comum a presença de grupos de evangélicos distribuindo panfletos e gritando durante cerimônias candomblecistas nas praias, ou seja, o espaço é público mas não para a demonstração de fé do outro.

No rastro do capitalismo escravocrata, que dissemina o racismo, parte da sociedade tenta abafar a autoafirmação, a identidade e a herança das religiões de matriz africana. “Eles querem que alguém, de onde nós vêm, seja mais humilde, abaixe a cabeça, nunca revide e finja que esqueceu a coisa toda”, diz um dos trechos da letra sobre uma das faces ocultas da intolerância.

O combate ao preconceito começa dentro de casa, na família, com amor e informação. Na canção Quem Tem Fé, do álbum Coisas do Meu Imaginário, o músico Rael escreve como o convívio com as suas avós, uma “do axé” e a outra do “amém”, serviu como base para uma visão mais ampla sobre fé. Com guias, terços, exemplos e palavras de amor elas ensinaram que a fé as fizeram corajosas. “Antes de dormir vou falar com o Senhor para iluminar e abençoar as mentes e os corações”, diz o refrão da canção.

Ouça a faixa aqui:

A melhor forma de respeitar a fé alheia é exercitar a compaixão e buscar informações sobre as outras religiões de coração aberto. O empresário Anderson Barbosa, de 33 anos, cresceu numa família de evangélicos. “Frequentei a Assembleia de Deus até os 12 anos de idade e saí. Depois voltei aos 17 e sai de novo, pois sempre procurava algo que me tocasse espiritualmente”, diz o empresário que cresceu na Brasilândia, na zona Norte de São Paulo. “Até que em 2013, fiquei curioso e perguntei muito sobre o candomblé a um amigo, ele foi umas das primeiras pessoas que cheguei perto sem medo e sem preconceito. Ele tirava muitas dúvidas, até que um dia,agendei um jogo de búzios com o pai de santo dele. Fui, e ali nasceu minha fé, naquela hora, achei o que procurei durante trinta anos”, diz o empresário filho de Ogun.

A mudança na vida de Anderson contou com o apoio irrestrito da mãe que é evangélica. Ela até visitou o terreiro ao lado do filho para conhecer. “Ela nunca impôs nada e sempre me respeitou”, diz. Para Anderson, a intolerância e o preconceito são radicalismos que devem ser abolidos, são entendimentos formados pela falta de conhecimento. ” Hoje eu não crítico quando alguns evangélicos dizem algo negativo contras as religiões de matriz africanas, pois eu pensava da mesma forma, tinha medo por não saber, por não conhecer, porque sempre demonizaram os orixás. Por isso, luto pra mostrar que Ogun , Oxum, e todo os orixás não são demônios. Eles são amor, felicidade, caminho, cuidado e vida”.